Coração sem imagens Deito fora as imagens, Sem ti para que me servem as imagens? Preciso habituar-me a substituir-te pelo vento, que está em toda a parte e cuja direcção é igualmente passageira e verídica. Preciso habituar-me ao eco dos teus passos numa casa deserta, ao trémulo vigor de todos os teus gestos invisíveis, à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve a não ser eu. Serei feliz sem as imagens. As imagens não dão felicidade a ninguém. Era mais difícil perder-te, e, no entanto, perdi-te. Era mais difícil inventar-te, e eu te inventei. Posso passar sem as imagens assim como posso passar sem ti. E hei-de ser feliz a ainda que isso não seja ser feliz. Raul de Carvalho
Aqui tens a minha sede. as águas dos rios somente satisfazem a urgência maior e nada diz de ti esse líquido que a sede sacia: queria beber-te nas ondas do teu ciúme e despedaçar-me no desejo dos teus lábios queria alcançar a nuvem e colher a rebeldia das gotas exaltantes dos teus beijos queria a ribeira da tua pele como a água que rebenta das fontes e unidos na mesma sede alcançar o êxtase na cintilação dos mesmos horizontes queria o incêndio escrito na mesma sede e morrer no martírio de doçuras de amante aqui tens a minha sede: fogo e água da tua boca ardendo no azul duma água murmurante. Bernardete Costa,aqui
Fotografia de LADY DEMEN Sou feita de uma carne perecível futuro de outra carne, sem nenhuma eternidade. A rocha é uma invencível parte da terra; que ela me resuma no seu mesmo destino mineral. A solidez ausente que tortura nossa matéria frágil, no final se renderá: serei de pedra dura. Nunca mais chorarei nessa passagem de poesia. Com nítida certeza, recorto nas montanhas minha imagem mais que raiz, expressa na beleza. Pela terra em que não me desfiguro, hei de surgir um dia em cristal puro Lupe Cotrim