giovedì

:: Chanel....



Mulher, talvez 20 anos.Mulher dos anos 20, com certeza.O vestido leve de seda tubular resvala-lhe pela dobra escandalosa do joelho. Livre dos espartilhos usados até o final do século XIX, já mostra as pernas, os braços e usa maquilagem. Pinta a boca a carmim, para parecer um arco de cupido ou um coração. Marca bem os olhos, tira as sobrancelhas e modela-as a lápis, contrastando o efeito com uma pele enfarinhadamente branca.
O instinto de sair à noite, como um homem, faz dela noctívaga atraída pelos salões com Jazz-bands onde o estonteante ritmo do Charleston se dança. Já não quer ser fada do lar e troca o avental e os bordados pelo brilho das pérolas e o glamour das plumas. Não tem curvas nem seios e a anca é preferencialmente pequena. Fuma também em cigarrilha, gosta das novidades do cinema e da rádio, segue à risca o que aparece nos anúncios publicitários e nas revistas femininas da época e assassina as normas do eterno visual feminino à tesourada, vingando-se no comprimento dos cabelos, sem piedade.
Aparece então um novo adorno em voga: o chapéu, enterrado até os olhos e usado com os tais cabelos curtíssimos à Garçonne.
O resto do mundo vibrava com a nova aparência da sociedade feminina dos anos 20, que imitava Hollywood e as suas vedetas. Se os homens queriam ser como
Rodolfo Valentino e Douglas Fairbanks, as mulheres copiavam fielmente as roupas das actrizes Gloria Swanson e Mary Pickford e imitavam os gestos da provocante cantora e dançarina Josephine Baker, sempre adornada por trajes ousados. Havia ainda uma nova estilista, Coco Chanel, que teimava em fazer combinar o pouco cabelo com boinas e colares compridos. Mas em Portugal, esse país de brandos costumes e casas hospitaleiras sempre com pão e vinho sobre a mesa, chamou-se genuinamente ao corte arrapazado francês «corte à Joãozinho». Uma modernice vinda de fora que estava perto da «pouca vergonha», tinha inventado a Maria Rapaz e «colocou em perigo o símbolo da feminilidade, insinuou uma indefinição dos sexos e criou seres revolucionários que põem em causa a ordem social instituída, as normas e os preceitos em vigor e induziu atitudes transgressivas associadas à masculinização da mulher».A exigência da modernização da aparência feminina apoiada por sinais de rebeldia, irreverência, inconformismo e ousadia contra o espadachim da moral e da censura que acusava a nova tendência de ir contra os cânones da feminilidade através de uma «suposta androginia e uma virilização da mulher assumida com contornos difusos» são as ideias base para o último trabalho de Gabriela Mota Marques que conta com edição da Livros Horizonte.